Dossiê LGBT da Teledramaturgia - (Parte 1) #04
Junho foi o mês do Orgulho LGBT, celebrado em diversos Países. Já estamos em Julho, mas como o Lembra de Mim tarda mas não falha e celebrar o orgulho de ser quem se é faz-se necessário sempre, hoje o blog traz a primeira parte de um levantamento com todas as tramas e personagens que tiveram alguma representatividade para a comunidade LGBT. Como amamos novelas e adoramos ver representada, nem que seja um pedacinho, de nossa realidade na dramaturgia, é sempre bom relembrar.
1961 -1963
A temática homossexual sempre esteve presente na TV desde o início de sua dramaturgia. Na TV Tupi, em seus primórdios, com o teleteatro, no início dos anos 60, Sérgio Britto e Cláudio Cavalcanti, protagonizaram aquele que, acredita-se, tenha sido o primeiro caso homossexual na dramaturgia televisiva.
Em 1963, Laura Cardoso e Vida Alves, interpretaram as homossexuais Inês e Stela.
No mesmo ano, a televisão mostrou o primeiro contato homossexual entre duas personagens. No teleteatro A Calúnia, as atrizes Vida Alves e Geórgia Gomide, trocaram o primeiro beijo gay da teledramaturgia, no Brasil, nas peles de Karen e Martha.
![]() |
Karen e Martha |
1970
Em 1970, Dias Gomes escreveu Assim na Terra Como no Céu. Em plena ditadura militar, a novela que se passava em Ipanema, abordava drogas, celibato e homossexualidade. Rodolfo Augusto, o Gugu, vivido pelo ator Ary Fontoura, era um costureiro, que vivia em função dos desfiles de carnaval do Teatro Municipal. O personagem é considerado o primeiro a representar um LGBT em novelas da Rede Globo.
![]() |
Rodolfo Augusto (Gugu) |
1974
Em O Rebu, o milionário Conrad Mahler (Ziembinski) mantem uma relação com o jovem Cauê (Buza Ferraz), a quem dá boa vida. No final da ousada trama policial de Bráulio Pedroso, é ele revelado como o assassino de Sílvia (Bete Mendes), a quem matou por ciúmes de Cauê, que mantinha um romance com a moça. Na mesma trama, também foi sugerido um final onde as personagens Roberta (Regina Viana) e Glorinha (Isabel Ribeiro), terminam juntas.
![]() |
Conrad Mahler e Cauê |
![]() |
Roberta e Glória |
1975
Rubens de Falco, o eterno malvado Leôncio, de Escrava Isaura, também já teve seus dias de glória purpurinada. Na novela O Grito, de Jorge Andrade, Rubens era Agenor, um bancário que tentava esconder de seus pais, Branca (Ida Gomes) e Sebastião (Castro Gonzaga), sua homossexualidade. Ele levava uma vida dupla. Durante o dia era discreto e calado, mas a noite adotava um comportamento extravagante, maquiava-se e saía trajando um enorme casaco, e divertia-se observando o comportamento alheio, pelos bares da cidade.
![]() |
Agenor e Branca |
1977
Na primeira versão de O Astro, escrita por Janete Clair, era sugerido um caso entre Felipe (Edwin Luisi) e seu amigo cabeleireiro, Henri (José Luis Rodi), ambos responsáveis pelo assassinato de Salomão Hayala (Dionísio Azevedo).
![]() |
Henry, Felipe e Salomão Hayala |
Pela primeira vez na história das telenovelas, uma travesti ganhou um papel. Cláudia Celeste era uma corista, do teatro de revista de Carijó (Lima Duarte), na novela Espelho Mágico, de Lauro César Muniz, que ensinava coreografias à personagem de Sônia Braga. Mas Cláudia entrou para o elenco da novela, sem que o diretor Daniel Filho soubesse que se tratava de uma travesti (na época do Regime Militar, travestis eram proibidas de aparecer na TV). Descoberta, Cláudia Celeste teve que sair de cena.
1978
Em Dancin' Days, Everaldo (Renato Pedrosa), era o mordomo gay da vilã, Yolanda Pratini (Joana Fomm). Bichérrima e muito divertido, idolatrava Greta Garbo e dizia que assistia aos filmes dela de joelhos.
1979
Na novela das 19 horas, de Cassiano Gabus Mendes, Marron Glacé, Nestor de Montemar era Pierre Lafond, afeminado chef do buffet que dava título a trama. Pierre, que na verdade se chamava Joaquim, e vivia brigando com Waldomiro (Laerte Morrone), que teimava em lembrar sua origem simples, apresentava-se como um cozinheiro francês, e era amigo dos garçons.
![]() |
Pierre e Clô |
A problemática Os Gigantes, de Lauro César Muniz, exibida, chegou a insinuar um interesse homossexual entre as personagens Paloma (Dina Sfat) e Renata (Lídia Brondi), que não foi adiante. Revistas especializadas da época até estamparam capas que davam conta de um romance entre as duas, mas de fato não aconteceu. Valeu a intenção.
1981
Entrando nos anos 80, a novela Ciranda de Pedra, inspirada no romance homônimo de Lygia Fagundes Telles, escrita por Teixeira Filho, para às 18 horas, tinha uma personagem lésbica, vivida por uma jovem Mônica Torres. Ela era Letícia, moça que vivia nos rígidos anos 40.
![]() |
Letícia e Luís Carlos |
Em Brilhante, de Gilberto Braga, para às 20 horas, Dennis Carvalho era Inácio, gay enrustido, obrigado por sua mãe Chica Newman (Fernanda Montenegro), a se casar com uma mulher. Ele se envolveu com Sérgio (João Paulo Adour), casou com Leonor (Renata Sorrah), para manter as aparências, e terminou feliz ao lado de Cláudio (Buza Ferraz), embarcando para Paris.
![]() |
Inácio e Chica |
1985
Na novela Um Sonho a Mais, de Daniel Más, foi a vez do travestismo invadir o horário das 19 horas. Ney Latorraca era o protagonista Antonio Carlos Volpone, que se utilizava de diversos disfarces para provar sua inocência, já que era fugitivo da policia, entre eles estava o de Anabela Freire, que acabou ganhando vida própria ao despertar a paixão de Pedro Ernesto (Carlos Kroeber). Com o sucesso da personagem, foram inseridas na história as irmãs de Anabela: Clarabela (Antonio Pedro) e Florisbela (Marco Nanini) e mais Olga Del Volga, sexóloga interpretada pelo ator Patrício Bisso. Em pouco tempo a censura vetou todas elas, apenas Anabela permaneceu até o final.
![]() |
Anabela, Clarabela, Floribela e Pedro Enesto |
No sucesso de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, Roque Santeiro, João Ligeiro (Maurício Mattar) era um peão sensível, que tinha Toninho Jiló (João Carlos Barroso) como seu melhor amigo, e vivia fugindo das investidas de Dondinha (Cristina Galvão). Porém a homossexualidade de João, irmão do personagem título, permaneceu velada durante toda a novela. O personagem acabou morto.
![]() |
João Ligeiro e Toninho Jiló |
Em comemoração aos seus 15 anos, a Rede Globo produziu minissérie baseada em um romance de Guimarães Rosa. Grande Sertão Veredas, foi uma caprichada produção, escrita por Walter George Durst, protagonizada por Tony Ramos e Bruna Lombardi. Bruna interpretava Diadorim, que vivia travestida como o jagunço Reinaldo, no meio dos outros homens, sem que ninguém soubesse de sua verdadeira identidade. Riobaldo, apaixonava-se por ela sem saber se tratar de uma mulher e sentia-se atormentado por isso.
1986
No remake de Selva de Pedra, escrito por Regina Braga e Eloy Araújo, um romance entre Fernanda (Christiane Torloni) e Cíntia (Beth Goulart), também foi vetado.
Em Anos Dourados, minissérie de Gilberto Braga, o final de Marina (Bianca Byington) é narrado como: "vivendo em Nova York há anos, com sua companheira."
![]() |
Marina e Lauro |
Em Roda de Fogo, de Lauro Cesar Muniz, o vilão enrustido Mário Liberato (Cécil Thiré), tinha uma relação muito íntima com seu mordomo Jacinto (Cláudio Curi), com direito a massagens orientais. Mário, também era obcecado pelo protagonista, Renato Vilar (Tarcísio Meira), a quem tentava destruir de todas as formas.
![]() |
Mário e Jacinto |
1987
Na novela Sassaricando, de Silvio de Abreu, Jorge Lafond, a eterna e saudosa Vera Verão, de A Praça é Nossa, viveu Bob Bacall, estrela de um cabaré.
![]() |
Bob Bacall |
1988
No mega sucesso Vale Tudo, de Gilberto Braga, o autor colocou em cena o casal Laís e Cecília, vividas por Cristina Prochaska e Lala Deheizelin. A segunda vinha a falecer, deixando a primeira viúva, para debater a discussão dos direitos, dentro de um casamento entre pessoas do mesmo sexo. No final, Laís encontra um novo amor, Marília (Bia Seidl). Na mesma trama, tinha ainda o ótimo Eugênio, mordomo refinado da família Roitman, e viciado em cinema, numa atuação inesquecível de Sergio Mamberti.
![]() |
Laís e Cecília |
Fora da Globo, na TV Manchete, a travesti Cláudia Celeste, voltava a cena, como a travesti Dinorá, na novela Olho Por Olho, de José Louzeiro. Mário Gomes interpretava um michê, Máximo, que fazia programa com mulheres e homens, na mesma novela.
![]() |
Dinorá e Máximo |
1989
No final dos anos 80, em 1989, Tieta, de Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn, trouxe o debate contra o preconceito ao apresentar Ninete, travesti, amiga de Tieta (Betty Faria), vivida pela exuberante Rogéria, que em poucos capítulos causou o maior rebuliço em Santana do Agreste.
Naquele mesmo ano, em Top Model, de Antonio Calmon e Walther Negrão, no horário das 7, o personagem Marvin (Miguel Magno), era um gay afetado que acabou se casando com uma amiga.
![]() |
Rose e Marvin |
1990
Adentrando os anos 90, Mico Preto, conturbada novela de Euclydes Marinho, Marcílio Moraes e Leonor Basséres, exibida às 19 horas, arrancou gargalhadas com o escrachado casal Zé Luís e Zé Maria, encarnados respectivamente por Miguel Falabella e Marcelo Picchi.
Zé Maria era um gay com ambições políticas. Ele mantinha um caso secreto com Zé Luís, mas para alavancar a carreira, precisava manter as aparências e apresentar a seus aliados políticos uma companheira. A princípio, a escolhida para se passar por noiva de Zé Maria, foi a simplória Lucilene (Desirée Vignoli), que ambiciosa, começou a dar problemas e ameaçar a farsa. É quando entra em cena Zé Luís, travestido de mulher, que acaba conquistando a simpatia e admiração dos influentes aliados de Zé Maria e proporcionando momentos hilários, em um trama bastante esquecível.
![]() |
Sarita, Zé Maria e Zé Luís |
Na minissérie Boca do Lixo, Sílvio de Abreu, Henrique Ribeiro (Reginaldo Faria), era o diretor de uma metalúrgica, que se casava com a bela atriz, Cláudia Toledo (Sílvia Pfeiffer). Ela comete adultério com Tomás (Alexandre Frota), empreiteiro numa obra comandada pelo marido. Mas o casamento e o envolvimento de Cláudia com Tomás não passa de um plano criminoso arquitetado por Henrique, que precisa fugir depois de dar um golpe envolvendo muito dinheiro. Henrique e Tomás são amantes, e Cláudia, a grande vítima da história.
![]() |
Henrique, Tomás e Cláudia |
Glória Perez brindou o público com o divertido personagem Lulu. Amigo e confidente da protagonista Clara (Cláudia Abreu), o coreógrafo era uma bicha pintosíssima, brilhantemente interpretada por Eri Jonhson, que como todo personagem popular de Glória, também tinha seu inesquecível bordão, na novela das 6, Barriga de Aluguel: "Fui"!
Em Pantanal, de Benedito Ruy Barbosa, na Manchete, Zaqueu (Luís Alberto Pinheiro), era o mordomo gay afeminado de Mariana (Nathalia Timberg), e ao ir para o Pantanal acompanhando a patroa, se apaixonava por um peão rústico.
Também da Manchete era a minissérie Mãe de Santo, escrita por Paulo César Coutinho, uma trama obscura, onde os atores Raí Alves e Daniel Barcellos, deram o primeiro beijo gay masculino da televisão.
1992
Na novela de Aguinaldo Silva, Pedra Sobre Pedra, Adamastor (Pedro Paulo Rangel), era o administrador de um bordel, secretamente apaixonado pelo melhor amigo, Carlão (Paulo Betti).
No horário das 7, Gino (Jandir Ferrari) "uma das três filhinhas amadas" de Dona Armênia, voltava para a casa da mãe travestido como Gina, despertando o interesse do mau caráter Wagner (Paulo César Grande), em Deus Nos Acuda, de Sílvio de Abreu.
![]() |
Gera, Gina, Dona Armênia e Gerson |
1993
Na minissérie Sex Appeal, escrita por Antonio Calmon, Otávio Augusto era Caio, fotógrafo de moda, gay, que teve um triste desfecho ao ser assassinado por um psicopata.
![]() |
Caio |
Também na finada Manchete, os personagens Viúva Negra (Paulão Barbosa) e Monarca (Hélcio Magalhães), terminaram juntos, na novela de José Louzeiro e Alexandre Lydia, Guerra Sem Fim.
Renascer, de Benedito Ruy Barbosa, apresentou o hermafroditismo, pessoa que nasce com os dois sexos. Buba, nasceu com os genitais externos masculinos e foi batizada de Alcides, mas seus órgãos internos eram femininos, algo bastante complexo e não explicado a fundo como deveria. Porém, Buba reconhecia-se mais como mulher, e ao submeter-se a uma cirurgia tornou-se Isabela. Estreia de Maria Luísa Mendonça na TV, encarando um grande desafio.
![]() |
Buba e Zé Venâncio |
1995
No sucesso das 20 horas, de Sílvio Abreu, A Próxima Vítima, um casal emblemático marcou época, Sandrinho e Jefferson, vividos por André Gonçalves e Lui Mendes, causaram polêmica e comoção, naquele ano de 1995. Pela primeira vez o tema era tratado com clareza, seriedade e uma maior profundidade, longe da caricatura ou da forma velada como sempre foi tratado. O texto de Sílvio foi sensível e certeiro e a interpretação dos atores muito digna. Sandrinho e Jefferson foram o primeiro grande casal homo-afetivo da teledramaturgia brasileira. Inesquecíveis.
Engraçadinha, minissérie de Leopoldo Serran, baseada na obra de Nelson Rodrigues, mostrava o amor desmedido da infeliz Letícia (Maria Luísa Mendonça) por sua prima Engraçadinha (Alessandra Negrini e Cláudia Raia). Uma interpretação magistral de Maria Luísa.
Em Explode Coração, de Glória Perez, Floriano Peixoto estreava como a transexual Sarita Vitti. Personagem que despertou muita curiosidade na época, mas pouco foi explicado sobre sua condição. Seu jeito gentil e doce chegou a despertar a paixão da carente Rose (Paula Burlamaqui).
No remake de Sangue do Meu Sangue, de Vicente Sesso, exibido pelo SBT, Bete Coelho era Fernanda, mas passou a maior parte da trama travestido de Fabrício, jovem que despertou a paixão do amigo Ricardo (Rubens Caribé).
![]() |
Fabrício |
1996
Em Xica da Silva, último grande sucesso da TV Manchete, escrita por Walcyr Carrasco, sob o pseudônimo de Adamo Angel, Zé Maria, que também atendia pela alcunha de Zé Mulher, era o afeminadíssimo melhor amigo da protagonista. Um trabalho magistral do ator Guilherme Piva.
No mesmo ano,mas na TV Bandeirantes, Paulo Goulart Filho interpretava Narciso, filho homossexual do protagonista Felipe Caldeira, vivido por Paulo Goulart, seu pai também na vida real. A família Goulart se encontrava na novela O Campeão, de Ricardo Linhares e Mário Prata, pois Beth Goulart, era Maria Isabel, filha e irmã de Felipe e Narciso.
Em sua primeira novela, o ator Thiago Picchi teve um desafio triplo. Ele interpretava três papeis, o playboy Maurício, a travesti Taís, disfarce que bolou para conseguir um trabalho, e Tales, o irmão gêmeo da segunda, personagem que inventou após se apaixonar por Ivana (Mylla Christie), travestido de Taís. Como ele não achava seguro revelar sua verdadeira identidade, inventou um terceiro personagem, mas Taís foi um dos destaques em Quem é Você, apagada novela de Ivani Ribeiro, escrita por Solange Castro Neves e Lauro César Muniz.
![]() |
Taís |
Malhação também teve sua cota LGBT, poucas vezes, mas teve. Gabriel (Thierry Figueira) era um gay enrustido, que tinha medo de se assumir.
![]() |
Gabriel |
1997
Em A Indomada, de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, Zenilda (Renata Sorrah) e Vieira (Catarina Abdala), tinham um caso, que foi interrompido quando a dona da Casa de Campo se apaixonou por Pedro Afonso (Cláudio Marzo).
![]() |
Zenilda e Vieira |
Lauro César Muniz, escreveu para o horário das 19, a novela Zazá, que tinha o personagem Ronaldo ou RoRo Pedalada (Marcos Breda), bissexual, drag queen e platonicamente apaixonado pelo amigo hetero, Pedro (Roberto Bataglin).
![]() |
RoRô |
No remake de Maria Adelaide Amaral para Anjo Mau, a autora incluiu o personagem Benny, um gay cabeleireiro, vivido por um divertido Luís Salem.
![]() |
Benny |
Em Por Amor, que pode ser atualmente conferida em reprise no VIVA, o autor Manoel Carlos, causou polêmica com o personagem Rafael (Odilon Wagner). Bem sucedido dentista, casado com Virgínia (Ângela Vieira) e pai de dois filhos. O casal formava uma família aparentemente perfeita, até Rafael se apaixonar pelo jovem Alex (Beto Nasci), e revelar-se bissexual, acabando com seu casamento feliz.
Na novela Mandacaru, de Carlos Alberto Ratton, Roberta Close deu o ar de sua graça, interpretando a vedete Maitê Flores, na trama da Manchete.
Na próxima postagem a segunda e definitiva parte do Dossiê LGBT da Teledramaturgia, de 1998 a 2017.
Comentários
Postar um comentário